quinta-feira, 28 de abril de 2011

O olho é uma armadilha do coração.

Embaraços de um Olhar

 
Parou os olhos na última frase.
Paralisado.
Era possível ouvir os ponteiros do relógio e os galopes do coração.
Lembra que eu tinha uma família construída?
Esposa e filhos.
Você chegou, invadindo minha casa, meu coração.
Eu não queria, mas você foi se aproximando cada vez mais, transformando ausência em necessidade.
Sua presença era como uma bomba de ar na qual eu precisava para respirar. Era uma questão de vida ou morte.
E se é para manter viva essa chama que você chama de amor, vale a pena eu matar um passado e viver o agora.
Carpe diem, você me dizia, carpe diem.
Deixei casa, esposa e filhos.
Por você, por este amor que você jurava.
Isso nunca tinha me acontecido antes.
Por que você fez sinal?
Por que você me olhou assim?
Por que você surgiu na minha frente, como um monstro do Pântano?
Eu poderia ser cego.
Nunca ter parado meus olhos nos seus.
Os cegos é que são felizes.
Eles não dispõem desse embaraço que é o olhar.
O olho é uma armadilha do coração.
Parou os olhos na última frase e ficou paralisado.
Como assim “eu não te amo mais”?

Coração de Pirata

Coração de Pirata
no vocabulário naval,
terral é
o vento que vem do continente
e leva ao mar.

é a corrente dos corações livres.
apesar da relação de pertencimento
e da entrega voluntária,
amar é deixar livre para navegar.

esse é o paradoxo,
no discurso amoroso,
livre é o navio
que atraca em reconfortantes portos
sem precisar baixar as âncoras.

tenho coração de pirata.

aproveito o vento terral.
miro sextantes.
navego para além-mar.
com as cicatrizes
de batalhas passadas
e antigos amores.

...

Imponente e Impiedosa

O Luto das Aranhas
Ela tece sua teia pacificamente,
sem se importar com o que acontece ao seu redor.
Imponente e impiedosa, não dorme, não descansa,
até que consiga chegar ao fim.
Sonha acordada, como predadora que é,
em qual será a próxima refeição.
Qual seria o próximo desavisado
em que aplicaria seu veneno poderoso.
Por fim, ao tardar da noite, termina.
Cansada, repousa em um canto,
pronta para sentir qualquer movimento
ou criatura que encostasse em sua obra.
Dorme, como sempre,
pronta para reagir ao menor movimento.
Horas depois, sente.
O movimento é sutil,
então percebe que não é um inseto preso.
É algo mais.
Algo que nunca vira antes.
Ela o vê, na outra ponta da teia,
andando como se fosse feito
para resistir à sua perfeita armadilha.
Não entende porque ele não para.
Não entende porque ele continua vindo.
Seria uma ameaça?
Não, nada é uma ameaça à imponente viúva-negra
e sua peçonha letal.
Se ele tentasse algo, ela o mataria.
Então ela entende.
Ele fora feito para ela.
Ele tem que estar ali,
para a cópula e a procriação.
O cheiro dela o atraía,
e ele fora feito para resistir
às ameaças que ela representava.
E então ela se rende, e vai até ele.
Sem tensão, sem medo.
Mas com a certeza de que,
no final de tudo, ela terá que matá-lo.
Só que ele estava disposto a morrer por ela.
Apesar de ela representar o fim de sua vida,
a sua atração por ela é maior.
Ele se sacrifica para o seu breve prazer
e para o futuro da espécie.
Sem nem pensar, sem discutir.
Ela é o seu passado, presente e futuro.
E o futuro dela se resume ao luto.
Pra sempre,
até a morte,
uma viúva negra
...